Não hesito em declará-lo como o meu favorito. É um livro visceral, terrível, pleno de horror mas ao mesmo tempo de um humor muito requintado e de um sentimento profundo e desesperante. É um livro deliberadamente grosseiro mas do qual nos fica, ao findar a leitura, acima de tudo a poesia sublime que nele perpassa como uma espada.
Com muita concisão, algumas pistas para o enredo: o narrador, OsKar Matzerath, agora internado num hospital psiquiátrico, conta retrospectivamente a história da sua vida e da sua família. Nascido em Danzig no final dos anos 10 do século passado, resolve, aos 3 anos de idade, e depois de minuciosa observação do comportamento dos seus familiares e dos que lhes eram próximos, deixar de crescer, pois não compreende nem pretende compreender ou integrar-se no mundo dos supostos "adultos". Consagra a sua vida a um tambor de lata, no qual toca obssessivamente e a partir do qual se expressa para o mundo, e é dotado de uma voz "vitricida", ou seja, uma voz com uma agudez tal que é capaz de destruir vidros, e da qual se serve como arma quando existe qualquer ameaça à sua pessoa . Sempre com o corpo de uma pequena criança, Oskar passa pelos inícios do III Reich, a II Guerra Mundial e o pós-guerra, desdenhando e criticando todos os fenónemos sociais e políticos associados a estes acontecimentos. Acaba internado no asilo, acusado de um crime de assassinato. A narração é acelerada e leva-nos a um estado de euforia e ânsia para continuar a leitura, por exemplo nas partes em que ele descreve o cerco à sede do correio polaco (onde trabalhava o seu tio/padrinho/possível pai) ou a decadência da vida de um músico que tinha mudado de vida para se tornar um SA.
Podemos considerar "O Tambor" como o "Cem anos de solidão" da Europa. E este, tal como o livro de Garcia Marquez, comporta um caractér simbólico que ultrapassa qualquer linearidade na leitura. Num ambiente familiar dissoluto, sem qualidade para servir de modelo, há a procura de um pai possível. Só quem está ao nível do anão, negando ao mesmo tempo a irracionalidade do mundo das crianças e a responsabilidade do mundo dos adultos, se consegue safar no meio da loucura. A mesma voz vitricida que fura vidros o suficiente para que seja possível facilitar a outros a prática de um roubo, como adjuvante da mais deliciosa tentação, não consegue destruir os vitrais da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, como forma de demonstrar a omnipotente influência da Igreja na altura. Estas e outras pistas de leitura vão sendo desvendadas ao correr das páginas, que desde já aconselho a desafiar. Porque a leitura de "O Tambor" é nada menos do que um desafio.
O livro deu origem ao filme homónimo de Volker Schlöndorff, no ano de 1979, galardoado com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano seguinte. A imagem apresentada acima é um dos cartazes promocionais do filme. Deu ainda origem à ópera "The Onion Cellar", baseada num dos seus capítulos, que retrata um bar na Alemanha do pós-guerra onde as pessoas vão para partilhar memórias dolorosas e chorar. Enquanto falam e bebem, os clientes vão descascando cebolas, tanto para chorar mais facilmente como para minimizar a vergonha daqueles que estão reticentes em mostrar os seus sentimentos. Quem fornece a banda sonora para a peça, sendo também actores, são os Dresden Dolls, uma das bandas mais interessantes da actualidade.
Onde encontrar o livro? A melhor hipótese é ler no original (para quem dominar o alemão) ou então numa tradução inglesa ou espanhola. isto porque não é fácil obter uma tradução portuguesa… A única até hoje é dos anos 60, da muito feliz, mas infelizmente já desaparecida Editora "Estúdios Cor" (e eu tenho). Pode-se ter a sorte de conseguir encontrar num alfarrabista (na Figueira da Foz duvido…). Mas a boa notícia é que, com a efeméride dos 50 anos da publicação da obra, que se assinala no ano que vem, as Publicações D. Quixote anunciaram a republicação da obra, com nova tradução e extras! Se conseguirem esperar alguns meses…
Mais de Günter Grass, Exposição até 04 de Janeiro de 2009.
Com muita concisão, algumas pistas para o enredo: o narrador, OsKar Matzerath, agora internado num hospital psiquiátrico, conta retrospectivamente a história da sua vida e da sua família. Nascido em Danzig no final dos anos 10 do século passado, resolve, aos 3 anos de idade, e depois de minuciosa observação do comportamento dos seus familiares e dos que lhes eram próximos, deixar de crescer, pois não compreende nem pretende compreender ou integrar-se no mundo dos supostos "adultos". Consagra a sua vida a um tambor de lata, no qual toca obssessivamente e a partir do qual se expressa para o mundo, e é dotado de uma voz "vitricida", ou seja, uma voz com uma agudez tal que é capaz de destruir vidros, e da qual se serve como arma quando existe qualquer ameaça à sua pessoa . Sempre com o corpo de uma pequena criança, Oskar passa pelos inícios do III Reich, a II Guerra Mundial e o pós-guerra, desdenhando e criticando todos os fenónemos sociais e políticos associados a estes acontecimentos. Acaba internado no asilo, acusado de um crime de assassinato. A narração é acelerada e leva-nos a um estado de euforia e ânsia para continuar a leitura, por exemplo nas partes em que ele descreve o cerco à sede do correio polaco (onde trabalhava o seu tio/padrinho/possível pai) ou a decadência da vida de um músico que tinha mudado de vida para se tornar um SA.
Podemos considerar "O Tambor" como o "Cem anos de solidão" da Europa. E este, tal como o livro de Garcia Marquez, comporta um caractér simbólico que ultrapassa qualquer linearidade na leitura. Num ambiente familiar dissoluto, sem qualidade para servir de modelo, há a procura de um pai possível. Só quem está ao nível do anão, negando ao mesmo tempo a irracionalidade do mundo das crianças e a responsabilidade do mundo dos adultos, se consegue safar no meio da loucura. A mesma voz vitricida que fura vidros o suficiente para que seja possível facilitar a outros a prática de um roubo, como adjuvante da mais deliciosa tentação, não consegue destruir os vitrais da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, como forma de demonstrar a omnipotente influência da Igreja na altura. Estas e outras pistas de leitura vão sendo desvendadas ao correr das páginas, que desde já aconselho a desafiar. Porque a leitura de "O Tambor" é nada menos do que um desafio.
O livro deu origem ao filme homónimo de Volker Schlöndorff, no ano de 1979, galardoado com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano seguinte. A imagem apresentada acima é um dos cartazes promocionais do filme. Deu ainda origem à ópera "The Onion Cellar", baseada num dos seus capítulos, que retrata um bar na Alemanha do pós-guerra onde as pessoas vão para partilhar memórias dolorosas e chorar. Enquanto falam e bebem, os clientes vão descascando cebolas, tanto para chorar mais facilmente como para minimizar a vergonha daqueles que estão reticentes em mostrar os seus sentimentos. Quem fornece a banda sonora para a peça, sendo também actores, são os Dresden Dolls, uma das bandas mais interessantes da actualidade.
Onde encontrar o livro? A melhor hipótese é ler no original (para quem dominar o alemão) ou então numa tradução inglesa ou espanhola. isto porque não é fácil obter uma tradução portuguesa… A única até hoje é dos anos 60, da muito feliz, mas infelizmente já desaparecida Editora "Estúdios Cor" (e eu tenho). Pode-se ter a sorte de conseguir encontrar num alfarrabista (na Figueira da Foz duvido…). Mas a boa notícia é que, com a efeméride dos 50 anos da publicação da obra, que se assinala no ano que vem, as Publicações D. Quixote anunciaram a republicação da obra, com nova tradução e extras! Se conseguirem esperar alguns meses…
Mais de Günter Grass, Exposição até 04 de Janeiro de 2009.
14.11.08
Pinturas e esculturas de Günter Grass para ver, no TMG, a partir de Sábado
Günter Grass nasceu em Danzigue em 1927. Conhecido principalmente como escritor com obras como O Tambor, O Linguado, Uma Longa História e O Gato e o Rato, recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 1999. Mas paralelamente este autor alemão prosseguiu com a carreira de artista plástico da qual constam inúmeras exposições de desenhos, gravuras e esculturas. Actualmente, Günter Grass vive e trabalha perto de Lübeck, na Alemanha.
Günter Grass: o artista plástico é a exposição que reúne cerca de duas dezenas de pinturas e esculturas deste autor alemão e que ficará patente na Galeria de Arte do Teatro Municipal da Guarda a partir de amanhã, Sábado (a inauguração é às 18h00) e até ao próximo dia 4 de Janeiro. A exposição tem entrada livre e surge de uma colaboração do TMG com o Centro Cultural S. Lourenço.A propósito de Günter Grass, o TMG, através do seu Serviço Educativo, exibe o filme O Tambor, do realizador Volker Schlöndorff, baseado no livro homónimo de Günter Grass. O filme foi realizado em 1978, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Passa no próximo dia 9 de Dezembro, no Pequeno Auditório.
Publicado por Teatro Municipal da Guarda às 9:34 AM
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